Concepção,
organização e tradução de textos de AOS REVOLUCIONÁRIOS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO DIREITO, DO
ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE SÃO TAMBÉM OFERECIDOS VÁRIOS ARTIGOS JURÍDICOS E
CORRELATOS EM http://www.scientific-socialism.de/KMFEDireitoCapa.htm |
A publicação intitulada
“Acerca
da Justiça de Classe” apresenta alguns dos mais célebres textos de Karl
Liebknecht, renomado jurista marxista-revolucionário que impulsionou,
juntamente com Rosa Luxemburgo, a luta pela construção de uma sociedade
socialista e emancipadora em seu país, a Alemanha, e em escala mundial. Através da detida
leitura e crítica reflexão da presente obra, é possível ter presente a
importância do agir marxista-revolucionário também no domínio do Direito,
sobretudo no presente momento histórico, em que a impiedosa contra-ofensiva
imperialista do capital opera transformações de grande alcance nos Estados
nacionais, seus tribunais e ordenamentos jurídicos. |
PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO
DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE
PEQUENOS ENSAIOS SOBRE MARXISMO E DIREITO, SOCIEDADE E ESTADO NA REVOLUÇÃO
ESTADO DE DIREITO E JUSTIÇA DE CLASSE
RELATÓRIO DE UMA PALESTRA
REALIZADA EM UMA ASSEMBLÉIA DE MASSAS NA CIDADE DE STUTTGART, ALEMANHA
KARL P. A. LIEBKNECHT[1]
Concepção
e Organização, Compilação e Tradução
Emil Asturig von München, Novembro de 2006
Para
Palestras e Cursos sobre o Tema em Destaque
Contatar
emilvonmuenchen@web.de
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Companheiras e companheiros do Partido !
Devo começar de maneira um pouco
seca.
Quando se fala de Justiça de
Classe, deve-se, em primeiro lugar, falar do Estado.
Nós, marxistas, entendemos sob o
conceito de Estado não meramente uma organização de seres humanos que se
encontram ligados pela descendência, pela nacionalidade ou pelo local
comum de residência.
Em nossa concepção, o Estado
pressupõe, antes de tudo, o fato de que, no interior das organizações de seres
humanos, existem diversas camadas que possuem distintos interesses.
No conceito de Estado, já está
incluído o conceito de Justiça de Classe.
Encontramos sociedades de classes
já mesmo nos períodos mais remotos do desenvolvimento da humanidade.
Desde há tanto tempo, possuímos
também um Estado.
Esse Estado é organizado no sentido
daquela parte da população que possui a maior influência.
Em um primeiro aspecto, vale o
princípio da maioria democrática que significa a submissão
de uma minoria numérica.
Porém, a dominação pode ser
exercida não apenas através da maioria numérica, senão ainda através da maioria
com poder visível que pode também tornar uma minoria mais forte do que a
maioria da população.
A superioridade econômica de uma
minoria da população pode conduzir a que uma domine sobre uma maioria.
Poder-se-ia perguntar : por que a
maioria não se apropria, simplesmente, da posse da minoria ?
Porém, sabemos que, em certos
períodos da história, é necessário - e, até mesmo, é uma lei natural - o fato
de que uma maioria seja governada pela minoria, no interesse do continuado desenvolvimento
da humanidade.
Assim, também, o capitalismo foi
algo inteiramente útil para o continuado progresso da humanidade, não
tendo sido, pois, criado por uma invenção demoníaca de homens maliciosos, senão
surgiu como uma necessidade do desenvolvimento econômico.
E, apenas sobre suas ruínas podemos
continuar a construir.
Entretanto, através dos diversos
meios especiais de violência, do poder do Estado, a minoria assegura para
si sua dominação : mediante a Legislação,a Escola,
a Igreja, a Polícia, a Justiça e o Militarismo.
Se concebermos diante
de nossos a última época da nossa história ocidental-européia, verificamos
que, no quadro da dissolução do Estado Feudal e Absolutista,
irrompe uma luta tal como, hoje, tem lugar na Rússia.
O absolutismo conhece,
em e para si, apenas a vontade do dominador que, naturalmente, submete-se, de
fato, a determinadas influências.
Eis aqui o Estado de Polícia,
no sentido mais próprio do termo, no qual também o Poder Judiciário
do mesmo exerce uma vontade que maneja os demais meios de poder tal qual,
p.ex., o Poder de Polícia.
Polícia e Justiça constituem uma unidade.
Nas lutas constitucionais
modernas situa-se, em primeiro plano, a luta pela "Separação dos
Poderes", i.e. sobretudo a separação dos Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário.
Ao lado da luta pelo Poder
Legislativo, com vistas à criação de um Parlamento,
impulsiona-se a luta pela modificação da relação, existente entre o Poder
Judiciário e a Administração (Executivo), visando à
separação dessas ambas funções e à independência da Justiça
em face do Executivo.
A Administração e a Polícia
permanecem atribuídas ao Governo enquanto um meio de poder imediato que o
habilita a decretar, no momento adequado, em diversos domínios, acerca do que
entende ser o bem.
Junto ao Poder Judiciário
Independente, isso é colocado de maneira diversa.
Nele, o Estado eleva-se, em certo
sentido, para além de si mesmo.
O Poder Judiciário
constitui a função mais sublime do Estado, porque o próprio Estado - e, na
verdade, também seu Poder Legislativo - submete-se a esse Poder,
criado por ele mesmo.
Pelo menos, isso deve ser assim.
Nos Estados Unidos da América,
uma lei, declarada sem validade pela Suprema Corte Judiciária, é
considerada, simplesmente, como eliminada.
O juiz situa-se, em certa dimensão,
acima do próprio Estado.
A essa ilustre função do juiz
correspondeu o fato de que, em períodos culturais precedentes, o estamento dos
juízes, inteiramente santificado, era circundado por uma inviolabilidade
totalmente especial.
Os velhos romanos conheceram,
além do Direito, produzido pelo legislador, um Direito que os juízes criavam
através de suas sentenças.
E, de fato, em todos os tempos, os
juízes determinaram o conteúdo das leis, sobretudo e principalmente, mediante
interpretação, no ato de aplicação destas, conseguindo, assim, em ampla
medida, formar continuadamente e degenerar as condições formais, sob as quais
os povos viveram.
Nesse sentido, o juiz exerce um
tipo de função legislativa, tal como não menos o faz a Polícia,
no domínio de sua competência.
Vocês vêem a partir daí como é
infinitamente a luta pela independência da Justiça.
Paralelamente, porém, a luta
consiste em submeter a Administração da Polícia, todo o Executivo
e, em verdade, o próprio Governo, os Ministros, no exercício de seu ofício, ao
controle de juízes independentes, mediante uma assim denominada Jurisdição
Administrativa, mediante Cortes Judiciárias do Estado (para
os Ministros competentes etc.), com o que é colocado em questão o
próprio Parlamento.
Um Estado no qual se almeja tudo
isso é denominado Estado de Direito.
Porém, como se encontra a
situação entre nós, na Alemanha, no que concerne ao Estado de Direito
?
Em uma contemplação mais
aproximada, opinamos que precisamos apenas nos coçar e já aparece inspecionando,
por todos os cantos e becos, o Estado de Polícia.
Temos um mal verniz de Estado
de Direito, pintado sobre o Estado de Polícia e,
além disso, apenas sobre algumas partes do Estado de Polícia.
No Império Alemão,
não existe nenhum indício de responsabilidade ministerial que estivesse
submetida a uma Corte Judiciária do Estado.
Todas nossas tentativas de aqui
criar alguma coisa nesse sentido falharam e também, nos Estados Alemães
singulares, não existe praticamente nada disponível a esse respeito, menos
ainda na Prússia e na Saxônia.
Uma Jurisdição
Administrativa existe, evidentemente, nos Estados Alemães singulares,
sendo que, na maioria das vezes, ela aspira por sê-lo.
Isso demonstrei em outra sede.
Particularmente importante é o fato
de que, na Prússia, por ex., o próprio Poder
Judiciário é simplesmente privado da revisão da constitucionalidade das
leis, o que representa, diretamente, uma castração da Justiça.
Porém, mesmo à parte esse
aspecto, vivemos ainda, no mínimo, em três quartos, se não em nove décimos, em
um Estado de Polícia.
Se aqui ou
ali, não sentimos desse modo, devemo-lo à nossa deficiente
sensibilidade.
Somos, precisamente, até mesmo
educados de modo policial.
Se recebemos uma pequena concessão
qualquer que se pareça com uma liberdade, triunfamos.
Alegramo-nos, tal como se fosse uma
doação de clemência, se nos é permitido fazer aquilo de que nem sequer se fala,
em outros lugares.
Ficamos agradecidos pela mais
ínfima liberdade de movimento que nos é concedida, pois sentimos a sujeição, a
tutoria, enquanto estado de normalidade.
Podemos apenas sentir, com grande
dificuldade, quão freqüentemente o Estado de Polícia ainda
intervém em nosso Estado de Direito, porque estamos em estado
letárgico, por força do costume.
Todo o sistema escolar, o sistema
policial, o sistema habitacional e o sistema de extradição submetem-se, ao lado
de muitos outros, praticamente de modo exclusivo, à disposição
policial.
Não existe praticamente nenhum
remédio jurídico digno de menção contra a extradição de nosso companheiro
Quelch.[2]
Não formulo aqui nenhuma
censura, porque tal resistência não ocorreu.
Talvez tenha sido inteiramente
prudente e compreensível.
Porém, isso demonstra que pele de
rinoceronte ainda todos nós possuímos nessa questão.
Na Inglaterra ou na França,
essa resignação surda teria sido impossível.
É extraordinariamente bom podermos
ter a ocasião de estudar, nesse congresso, o temperamento de nossos
companheiros franceses.
No Direito, no Estado Prussiano, as
funções da Polícia são descritas, p.ex., da seguinte forma :
"A manutenção da
tranqüilidade, da segurança e da ordem pública, bem como a prevenção de
todos os perigos que ameaçam o público ou um de seus membros é ofício da
Polícia."
Nisso se enquadra tudo o que possa
ocorrer.
A Polícia é a
autoridade que tudo abarca, que tudo envolve.
Na medida em que não esteja
expressamente previsto em lei ser o Poder Judiciário competente,
domina a Polícia.
Apenas o resto bastante escasso
fica para a Justiça.
Tanto assim permanecemos parados no
campo do Estado de Polícia Feudal-Absolutista.
Na Prússia, tal como
particularmente entre nós, isso conduz evidentemente ao fato de que a Polícia
é omnisciente.
Na Polícia Prussiana,
o ideal da omnisciência materializou-se sobre a terra.
Tratando-se, então, de declarações
testemunhais de autoridades policiais ou de apresentação de pareceres, acerca
dos quais os próprios letrados e professores quebram suas cabeças, prostram-se
também os juízes, até mesmo com grande freqüência, diante da mais elevada sabedoria
das declarações policiais.
Essa omniscência da Polícia,
caracterizadora de nosso sistema judiciário, deve ser por nós reverenciadamente
reconhecida nolens volens.
Entre nós, é excessivamente correto
falar, simplesmente, de "Sua Majestade, o Policial".
Em Cottbus,
instituiu-se, há algum tempo, uma Escola de Polícia, dado que
adquiriram repercussão, aparentemente, algumas dúvidas acerca dessa
omnisciência.
Em alguns meses, creio eu, o
policial deve lá tudo aprender sobre o que necessita.
Afirmo-lhes que nenhuma
universidade do mundo proporciona uma mais rica eficiência do que
essa Escola de Polícia.
Todos os professores da Alemanha,
considerados em seu conjunto, não podem saber mais do que ali
"aprende" uma autoridade policial prussiana.
A "Polícia"
exerceu, na Prússia, uma influência inteiramente extraordinária
sobre a conformação fática do Direito de Associação.
Mulheres, jovens trabalhadores,
aprendizes etc. não podem, tal como se sabe, tomar parte, entre nós, em
assembléias e reuniões de associações políticas.
Então, porém, com o tempo, também
os partidos burgueses adquiriram um grande interesse na participação de
mulheres na vida política.
Assim, uma flora multicor, composta
por inúmeras damas, passou a assistir, de maneira imperturbada, às conhecidas
assembléias circenses da altamente política União dos Fazendeiros.
Isso provocou, porém, um certo
escândalo.
Então, uma associação
social-democrática organizou uma festividade com baile e, como dançar, desde o
tempo em que o mundo existe, pressupõe a participação das mulheres, deveriam,
evidentemente, também mulheres participar desse evento.
Porém, também esse Direito
Natural foi subtraído aos Social-Democratas, pois o prazer de dançar
foi considerado como "reunião" de uma associação política !
A participação de mulheres foi
simplesmente interditada.
Provavelmente, supôs a excelsa Polícia que
as mulheres iriam dançar as danças de guerra social-democráticas.
Em verdade, foi possível conduzir a
Câmara de Apelação do Tribunal a um ponto de vista mais racional,
porém a Polícia e o Tribunal de Alçada Administrativo
endureceram em sua concepção de que dançar é uma reunião.
Toda a questão descambou,
discricionariamente, em um ridículo venenoso.
Então, o Ministério Interior
"salvou" a situação.
Em um requerimento, formulado por
mim, procurou por um compromisso : ordenou aos órgãos policiais fosse
permitida a participação de mulheres nas assembléias e reuniões de associações
políticas, desde que as mulheres fossem acomodadas em recintos separados do
prédio.
Tal como em uma sinagoga ...
Essa é a conhecida "Portaria
do Segmento".[3]
Assim, atingiu-se, na prática, uma
considerável expansão do Direito da Associação.
Para fazê-lo, porém, o Ministério
não possui Direito algum.
Apenas a legislação teria sido competente
para tanto.
Não se quer, porém, largar
completamente das mãos a arma da lei reacionária, com vistas a, em caso de
necessidade, recorrer-se a ela.
Alcançamos aquele tantinho mais de
liberdade apenas porque os partidos burgueses não podem mais viver sem essa
mesma liberdade, considerando-se, pois, não as necessidades do
proletariado, senão aquelas das classes dominantes.
Esse é o Estado Capitalista
de Polícia.
Mais ainda : a Polícia
intervém também no sistema judiciário, em todos os cantos e becos, de modo
decisivo.
Recordo-lhes o Delito
de Resistência contra o poder do Estado.
A jurisprudência sobre esse tema
reside, preponderamente, nas mãos da Polícia.
Os Tribunais negam-se a interferir
no omnipotente Poder de Polícia e ousam examinar, apenas em dimensão
inteiramente limitada, a legalidade do exercício oficial, mesmo sendo esse
exercício tão injusto e brutal.
Basta, por todos os lados,
verificar apenas, de modo puramente formal e extrínseco, se a Polícia
agiu no quadro de sua competência.
Aos olhos de nossos Tribunais, a Polícia
é, na maioria das vezes, intocável e santificada.
Sob os vivos gritos de repúdio, o
orador cita um caso de seu escritório que ilustra dramaticamente isso
e demonstra quão ridícula e desprezivelmente a Polícia considera, com a
aprovação dos Tribunais, a liberdade pessoal do cidadão do Estado.
Na Prússia e em
quase toda a Alemanha, as assembléias públicas sujeitam-se ao
controle e à supervisão policial.
Na Saxônia, é pior
ainda.
Se, nesse momento, eu estivesse
falando na Saxônia, uma autoridade policial iria agora gritar-me
: "Modere-se !"
Na Saxônia, a autoridade policial
pode também subtrair a palavra do orador, na Saxônia, na Prússia
e em outros lugares, também dissolver a assembléia.
Qual é a conseqüência, se ocorre a
última dessas coisas aqui mencionada ?
Ainda que a dissolução seja tão
injustificada, ainda que represente uma tão nítida violação do Direito de
Reunião, cada um dos presentes deve imediatamente abandonar a
sala.
Se alguém hesita em fazê-lo,
incorre em uma sensível penalidade e, se o juiz tem de apreciar a questão, não
possui o Direito de examinar a justificação concernente à dissolução.
A atribuição de dissolução pertence
à competência da Polícia e basta !
A ordem do policial é para o Tribunal
tal qual o é o amém para a Igreja.
E isso por força de Direito.
Um perigo monstruoso assalta à luta
sindical através da omnipotência da Polícia.
O piquete de greve é
o cerne, a coluna vertebral do Direito de Coalizão.
Ele representa, de início, o meio
de tornar realidade esse Direito.
Precisamente por essa razão,
é Direito de Coalizão, obviamente e de modo
especial, desagradável para os empresários e por estes particularmente
odiado.
Uma vez, porém, que não se o pode,
simplesmente, em si e por si mesmo, proibir, por via policial, recorre a
Polícia a outros meios, colocando-se naturalmente do lado
dos empresários, com grande entusiasmo.
Por todos os lados, muito
provavelmente também em Württemberg, existem disposições de
Polícia, segundo as quais as autoridades policiais podem, no
"interesse da segurança e da fluência do tráfego, bem como da manutenção
da ordem", expulsar as pessoas que se encontram nas
ruas.
A autoridade diz, então,
simplesmente, ao piqueteiro : "Saia dessa rua !"
Se a pessoa em questão não vai
embora, resulta, então, uma "expulsão violenta, na certa."
No que concerne à questão relativa
a saber em que dimensão tal fato se submete ao exame do Poder Judiciário,
se a medida realmente foi tomada no interesse da ordem e da segurança,
percorremos, na Prússia, um verdadeiro martírio.
Todas as penalidades cauterizadas
pela Polícia foram, originalmente - e, em verdade, durante anos -
suspensas pelos Tribunais, visto que resultava plenamente
evidente que o piquete não havia perturbado ou ameaçado nem a ordem nem o
tráfego.
Até mesmo os custos da defesa foram
impostos, não raramente, à caixa do Estado.
Com isso, porém, não estava
satisfeita a Procuradoria do Estado, atrás da qual
se encontrava a Polícia.
Esta começou a desencadear uma
tempestade contra a Câmara de Apelação do Tribunal e,
verdadeiramente, com uma perserverância que seria digna de um outro caso
qualquer.
E, exitosamente !
A Câmara de Apelação recuou,
gradativamente, a passo e passo, e chegou, finalmente, à sentença : o policial possui o Direito de
estabelecer uma medida, no interesse da ordem e do tráfego, quando entende que
seja esta aconselhável.
Entretanto, ninguém sabe o que se
passa na cabeça de um homem.
Não posso olhar no interior de seu
coração.
Se o policial diz : "Providencie
para ir embora daqui" e, então, pergunto a ele, "o que
é que se passa na sua cabeça", será isso, pois, facilmente,
concebido como uma ofensa.
No melhor dos casos, recebo a
seguinte resposta : "Porque é que lhe importa saber o que se
passa na minha cabeça?"
Pois, então : ou acredito que o
policial possui um "entendimento" correto e
obedeço à sua ordem, i.e. abandono, pura e simplesmente, o piquete, ou,
então, não acato sua ordem, porque não acredito na correção de seu "entendimento",
arriscando-me à prisão e à punição.
Em ambos os casos, tateio no
escuro.
O piquete atingiu o seu fim e a
Polícia, o seu objetivo.
Não se trata isso, virtualmente, de
uma ofensa, desfechada contra um "povo livre" ?
Essa prática vigorou, na Prússia,
durante vários anos.
Apenas recentemente, a Câmara
de Apelação do Tribunal permitiu-se negociar novamente uma pequena
concessão.
Diz-se, agora, que a autoridade tem
de ter possuído um certo fundamento para sua preocupação, para seu "entendimento".
Ao policial, sofregamente atuante a
serviço do empresário, esse substrato não falta jamais, obviamente.
O simples fato de os
fura-greves dirigirem-se a ele, i.e. o mínimo nível da atividade
piqueteira, é designado como "perturbação" e adotada
como pretexto para a intervenção.
Ademais, o tráfego dos fura-greves
encontrar-se-ia inteiramente bloqueado e, não fosse assim, o piquete resultaria
feito de maneira ilusória.
O orador cita, sob aplausos e bom
humor dos ouvintes, casos de seu escritório que ilustram esse procedimento.
Não se trata de contos de fadas
e comédias.
O que lhes conto é a verdade e a
realidade da cultura prussiana do século XX.
O Estado Burguês de
Direito vela também por uma certa tutela em face do arbítrio policial
através da instituição de uma Jurisdição Administrativa, que vocês
efetivamente também possuem em Württemberg.
Trata-se, porém, de uma Jurisdição
muito estranha.
Os juizes são, por assim dizer,
independentes.
Sentem-se, porém, até mesmo muito
excessivamente como executores do poder do Estado.
Como são levantadas as provas ?
Em nossos processos cíveis e
penais, todas as testemunhas devem ser ouvidas, de modo juramentado.
O que existe em um arquivo qualquer
por aí, o juiz, segundo dispõe a lei, não pode levar em consideração.
Porém, no processo administrativo,
aparece, regularmente, na mão do magistrado que instrui o procedimento, um
documento no qual se encontram relatórios de autoridades policiais etc.
Esse documento é lido em voz alta e
tudo vale como verdade, plenamente incontestável !
Isso é assim, mesmo quando a Polícia
surge como parte adversária, no processo !
Assim, escancaram-se as portas ao
arbítrio, sendo toda e qualquer garantia eliminada.
Todo o sentimento de segurança do
cidadão do Estado tem de esvanecer, dessa forma.
O orador reporta-se aos processos que
foram instruídos no caso da Organização da Juventude de Könisberg.[4]
Naquela ocasião, o Tribunal
exigiu de mim, em primeiro lugar, que eu provasse não se ocupar
a associação da juventude com questões políticas, ao passo que,
diversamente, porém, representa um princípio de Direito o de que
o acusador deve proporcionar a prova do ato.
Então, quando, porém, formei a
prova em destaque, o Tribunal declarou simplesmente : "Não
existe nenhum pretexto para uma adicional produção de provas."
Com isso, um dos Direitos
Constitucionais mais fundamentais de inúmeros cidadãos do Estado
Prussiano foi, em sua base e em seu fundamento,
categoricamente atropelado.
Nesses casos, tornamo-nos
indefesos, pois não existe nenhuma instância que se coloque acima de um tal Tribunal.
As garantias que essa Jurisdição
Administrativa devem oferecer descansam sobre pés de barro, de tal
sorte que delas se pode praticamente estar desprovido.
Podemos saudá-las, no máximo, na
medida em que nos fornecem valioso material para a agitação.
Em Württemberg, pode
ser que, nessa matéria, algo esteja melhor.
Qual é a situação, porém, da quarta
parte ou da décima parte de nossos casos que podemos designar como Estado
de Direito ?
Aqui, evidentemente, nesse
contexto, devemos desconsiderar o capítulo especial da Justiça Militar
!
Encontram-se criadas no Estado
de Direito garantias apropriadas ?
Vejamos, inicialmente, o tema da "Independência
do Estamento dos Juízes !"
Se o juiz tem de se postar acima do
Estado, então tem de ser, naturalmente, "independente".
Possuímos, porém, essa
independência ?
Examinemos, primeiramente, a
independência externa.
O juiz é, diz-se dessa maneira, "irremovível".
Mediante lei, regula-se, porém,
como e em que circunstâncias pode o juiz ser removido.
Isso precisamente já é suficiente !
Também, em lei, encontra-se,
efetivamente, regulado como alguém pode ser condenado por delito de Alta
Traição.
Assim igualmente, é
possível que alguém seja condenado.
Se, na lei, regula-se como o juiz
pode ser removido, o caminho para a remoção já está praticamente indicado.
Entre nós, ninguém tem também o
Direito de ser empregado assalariado.
Eu mesmo vivenciei essa situação !
O advogado é obrigado, tal qual o
juiz, a cumprir, de antemão, o seu período de estágio judiciário.
Solicitei minha admissão como
estagiário, depois da execução de meu exame final do curso do Direito, junto
aos Tribunais Estaduais de Alçada.
Esses Tribunais
repudiaram-me, lançando mão de todos os tipos de pretextos.
Já havia tratado de dizer adeus à
minha carreira jurídica quando, finalmente, o antigo Ministro da Cultura,
von Falk, Presidente do Tribunal de Alçada de Hamm, admitiu-me
como estagiário, em um pequeno esconderijo de Westfalen.
Além disso, vocês conhecem a
história dos parágrafos dos juízes assessores.
O juiz assessor possui o Direito de
ser assessor, porém não terá nenhum Direito de tornar-se, por exemplo, juiz de
carreira.
Se um juiz assessor é, então,
politicamente suspeito, pode ficar tão velho como Metusalém que
continuará sendo assessor.
E o que sucede com a independência,
se alguém se torna efetivamente juiz ?
O juiz não quer, em verdade,
permanecer para sempre no escalão mais inferior.
Pretende, pois, ser um pouco
promovido, ao que corresponde, paralelamente, uma elevação de vencimentos.
Isso não é alcançável, porém, por
si mesmo.
O juiz a ser promovido necessita
ser recomendado por seus superiores.
Qual superior, entretanto, proporá
à sua autoridade hierárquica mais elevada, p. ex., um social-democrata, tendo
em conta que aquele mesmo pretende tornar-se Presidente do Tribunal
Estadual ?
Quem pretende ser promovido - e
isso todos o desejam - é de boa conveniência ser refinadamente silencioso, i.e.
não ser independente, senão, pelo contrário, ser justamente dependente.
Pode-se também ser removido, pode-se
ser, friamente, isolado.
Esses casos existem, sabidamente,
de modo copioso.
No caso de juízes que cometeram a
monstruosidade de terem exarado sentenças de liberdade, sendo, por isso,
louvados talvez pela Social-Democracia, temos podido ver, quase regularmente,
como desapareceram, em algum lugar, depois de um certo tempo, em meio a uma
sombria decadência.
Basta pensar nos Diretores de
Tribunais Estaduais, Srs. Schmidt e Denso, bem como no Conselho
da Câmara de Apelação do Tribunal, Sr. Havenstein.
Esse último havia contribuído para
que fossem proferidas algumas sentenças toleráveis pela Câmara de
Apelação.
Havenstein conquistara, também, em certa medida, a confiança dos
trabalhadores.
Porém, não durou muito e Havenstein
desapareceu.
Evidentemente, possuímos também
outras casos de remoção.
Talvez vocês ainda se recordem do
belo Processo Plötzensee, no qual me foi imposta uma peca
pecuniária de 500 marcos alemães.
Nessa ocasião, o Diretor do
Tribunal Estadual, Sr. Opperman, desempenhou um
importante papel.
Vocês conhecem, certamente, o nome Opperman.
Sempre que se menciona o nome Brausewetter
há de se mencionar também o nome de Opperman.
Opperman teve conflitos não apenas comigo.
Esse homem foi também promovido,
sendo que acabou sendo empurrado para cima.
Tornou-se Conselheiro do Tribunal
Imperial e, por um triz, tornar-se-ia um dos julgadores, no Processo
de Alta Traição, movido contra mim.
Assim, são as coisas, companheiros
!
Finalmente, temos também a
correição, cujo instrumento mais poderoso constitui a exoneração do cargo.
O pressuposto da correição é
o de o funcionário público ter-se tornado indigno do respeito e da
reputação que seu ofício exige.
O que isso significa, demonstra-o a
Lex Arons.[5]
Na Prússia, não é
possível nem sequer que um social-democrata seja membro de
uma Comissão de Ensino e, em verdade - tal como
recentemente decidiu nosso próprio Ministro da Cultura
-, ministrar aulas de educação física, quando mais não seja !
Por fim, reflitam acerca do
destino daquele médico da Caixa do Sistema Ferroviário de Wiesbaden
que votou a favor da Social-Democracia, no quadro de uma eleição de
segundo turno.
Pensem no Caso Schäufele,
ocorrido na vizinha província modelo !
Até mesmo os advogados, os
quais não são nem mesmo funcionários públicos, vêm sendo arrancados
para fora dos colarinhos, por motivos políticos.
Prova : o Caso Stadhagen.
Segundo opinião muito bem fundada e
difundida, toda a campanha de acusação por alta traição,
desencadeada contra mim, objetiva também, em verdade e em primeira linha,
eliminar-me do exercício da advocacia.
Para mim, é indubitável
que esse pensamento oculto existe.
Se já se procede assim contra
advogados, quem seria tão ingênuo a ponto de acreditar que um social-democrata
ou alguém parecido viria a ser tolerado como juiz ?
Um social-democrata torna-se, logo
de antemão, indigno de respeito aos olhos do Governo.
Se, por acaso, alguma vez, um juiz
viesse a tornar-se social-democrata, poderia estar certo de que não
duraria 48 horas para que o tornassem "inofensivo".
Deveria um social-democrata poder
tornar-se um juiz das autoridades públicas imperiais ?
Isso está longe
de suceder-nos.
Todo ministro fica com os fios do
cabelo arrepiados quando, a milhões de milhas de distância, pensa em coisa
semelhante.
Porém, que a exoneração do cargo
representa para um juiz uma inteira aniquilação de sua existência, um fantasma
assustador e perverso, isso resulta plenamente evidente.
Por último, examinemos a coroação
do edifício da independência.
Quase todos nossos juízes são, mais
ou menos, oficiais da reserva e, com isso, submetidos, em grande medida, à
disciplina militar, ao controle e à regulamentação !
O déspota do militarismo, inimigo
do povo, agita o seu cedro também sobre a Justiça Burguesa
"Independente".
Assim, posso sumariar meu
pensamento com as seguintes palavras :
Junto aos juízes, eruditos e de
carreira, a independência formal, externa, encontra-se também
apenas garantida enquanto dela fazem um "uso
racional".
Coisa semelhante ocorre com o
cidadão do Império Alemão e com o Direito de eleger-se o Parlamento
Imperial.
Vendo-se mais minuciosamente, não
resta praticamente nada da independência externa.
Porém, ainda pior é a situação da independência
interna dos juízes.
Estirou-se um verdadeiro arame
farpado em torno do ofício judiciário.
De início, através do longo tempo
de formação que, na maioria das vezes, é apenas concluído aos 27 anos
de idade.
A seguir, mediante o tempo dilatado
de espera não remunerada dos assessores.
Também não desconhecemos o fato de
que os soldos dos nossos juízes não são, absolutamente, elevados.
Até mesmo, muitos membros
pertencentes aos círculos burgueses, dotados de mais baixos rendimentos, que
seriam até mesmo capazes de julgar com independência, são, por isso
mesmo, repelidos do ofício judiciário.
Assim, fato é que quase nenhum
outro profissional, além daqueles das camadas abastadas, alcança o ofício
judiciário, e o que isso significa não careço de analisar mais profundamente.
Conhecemos o caráter de nossa
sociedade enquanto sociedade de classes.
Sabemos que os possuidores exercem
a dominação, que formam a oligarquia, conservadora em suas mãos do poder
do Estado, e sabemos que as classes dominantes são aquelas cujos Direitos
encontram-se ameaçados pela classe proletária.
Com isso, chegamos a
um domínio particularmente restrito de nossa Justiça.
Certamente, encontramos inúmeros
equívocos também na condenação judiciária de pessoas burguesas.
Nosso ordenamento processual-penal
não presta, precisamente, para nada.
Devemos recordar apenas a
superioridade da Procuradoria do Estado em face do acusado e da defesa,
superioridade essa que imprime um selo especial à nossa Justiça.
A posição inquisitorial do Presidente,
os inquéritos preliminares e sigilosos, o instituto do Juiz de
Investigação, a regulamentação da prisão para apuração - tudo isso
representa graves deficiências do processo alemão-imperial.
Essas deficiências são, em si e por
si mesmas, apropriadas para brutalizar o acusado enquanto puramente acusado.
Isso também é uma parte da razão
de Estado !
Se se trata, então, porém, de
pessoas e coisas de outras esferas de interesses e de vida, estranhas ao juiz,
a situação é, naturalmente, bem particular e bem mais séria.
Os juízes não são, nesse caso, em
via de regra, capazes de julgar devidamente.
Tratando-se de trabalhadores,
organizados política e sindicalmente, bem como de seus respectivos interesses,
surgem os mais complicados obstáculos no caminho rumo a
uma apreciação serena e objetiva.
O juiz entende tudo, obviamente, do
ponto de vista de sua classe particular.
Não possui, precisamente em noventa
e nove porcento dos casos, nem sequer uma percepção clara acerca dos costumes
de vida extrínsecos da outra classe.
Vivenciamos muito freqüentemente o
fato de que, se alguém do povo fala, sem preconceitos, diante de um Tribunal
todas as agruras que sente - o que o juiz considera como descaramento -, é
ameaçado com punições legais, sendo que, finalmente, estas lhes são
impostas.
O juiz não entende tudo isso de
modo melhor, pois defronta-se, de maneira incompreensível, com o
jeito de ser peculiar de tais pessoas.
Porém, possuímos também juízes
leigos.
Esse também é um capítulo especial.
Até há pouco tempo, na Alemanha,
os proletários foram excluídos, quase por princípio, do ofício dos juízes vogais
assistentes e jurados.
Nosso sistema judiciário, não por
acaso, concede essa possibilidade, sete vezes sete, de maneira bíblica.
E isso ocorre não apenas no que
concerne aos juízes assistentes, senão, mais ainda, no que respeita aos
jurados.
Trabalhadores não
são convocados.
Particularmente, quanto aos
jurados, estes são inteira e completamente excluídos.
Escolhe-se, para jurados, apenas a "elite".
Assim, sucede que aos tribunais de
jurados e de juízes vogais assistentes não se atribui nenhuma titulaçãozinha
de qualidade melhor do que aquela que possuem os tribunais de juízes eruditos
de carreira.
Os juízes vogais assistentes e os
jurados são, também, igualmente, membros das classes possuidoras.
Em face dos juízes leigos que, na
maioria das vezes, não conhecem suficientemente as prescrições legais de modo a
sentirem-se por elas vinculados, defronta-se o acusado com o egoísmo
brutal e poderoso de classe mais freqüentemente ainda do que junto aos
juízes eruditos de carreira.
O fato de que os juízes leigos não
são, em absolutamente nada, melhores do que os juízes eruditos
demonstra a circunstância de que as mais cruéis sentenças que, até o presente
momento, foram exaradas contra os trabalhadores - tais quais a Sentença
de Löbtauer e a Sentença de Köslin - são produtos dos
tribunais de jurados, pelo menos em 75 porcento.[6]
Nos últimos tempos, impulsiona-se
um movimento para admitir também os que pertencem à classe trabalhadora como
juízes leigos.
Muitos poderiam dizer :
"- Vejam, esse é o
"espírito democrático" dos nossos tempos."
Oh, não !
A coisa toda não se revela dessa
forma.
Nisso aí não há nenhum indício de
espírito democrático !
É apenas a questão monetária que
conduz nossa classe dominante à indulgência.
A sóbria verdade é a de que se pretende
baratear os custos da jurisdição leiga, sendo que há falta de pessoal
suficiente.
Os possuidores reclamam contra o
fato de terem de prestar sozinhos esse serviço.
Quer-se, também, lançar mais
esse fardo burguês-estatal sobre as costas das amplas massas.
Essa é a quintessência do
cãozinho poodle de Goethe.
Em regra, a quintessência do
poodle é um Mefistófeles, com pés de cavalo.
Porém, não se fala absolutamente
sobre a hipótese de que, por exemplo, os membros da classe proletária poderiam
obter peso preponderante nos tribunais leigos.
Além disso, filtra-se também, i.e.
: os proletários são ainda suficientemente bons apenas precisamente como tapa-buracos.
A despeito de sermos, por
princípio, muito adeptos dos tribunais de jurados e, em geral, da atuação dos
leigos no âmbito do Poder Judiciário, temos de constatar, porém,
que os tribunais de leigos, em sua atual composição, não são
menos tribunais de classe do que os tribunais eruditos.
Sobre o fundamento dos tribunais
de classe erige-se, porém, a Justiça de Classe.
Como se manifesta a Justiça
de Classe ?
Temos um Estado cujo Poder de
Governo encontra-se nas mãos das classes possuidoras.
O Tribunal é, em grande medida,
dependente desse Estado e compõe-se de juízes eruditos e leigos que pertencem
às classes possuidoras.
Suponhamos que se trate de uma
audiência sobre perturbação da tranqüilidade pública, rebelião, tumulto, alta
traição.
Os juízes possuem, evidentemente, o
sentimento pessoal de que o Estado encontra-se em perigo, bem como a aspiração
instintiva de ter a obrigação de salvar o Estado.
Esse estado de espírito torna-os
parciais e incapazes de contemplar a questão com plena tranqüilidade, claridade
e objetividade.
O orador recorda os processos de
perturbação da tranqüilidade pública dos últimos anos e, em particular, os Casos
Löbtau e de Köslin.
Esses e os Processos de
Perjúrio de Essen e Güstrow são, até o presente momento, os casos mais
truculentos, na nova Alemanha.
Aqui, acumulam-se, no juiz, motivos
da razão política de Estado e de solidariedade de classe com o empresariado.
Interesse e importante é o Parágrafo
153 do Ordenamento sobre a Indústria.[7]
Esse parágrafo é, em si mesmo,
muito duro, pois conhece apenas, em geral, penas de prisão.
Em virtude dessa orientação mais
mesquinha e inócua, não se pode estabelecer penas pecuniárias !
Semelhante dureza possui,
evidentemente, sua razão suficiente no fato de que o Parágrafo 153 do
Ordenamento da Indústria relaciona-se puramente com a proteção do
empresariado e dos fura-greves, i.e. constitui, por assim dizer, uma Lei
de Classes destilada.
Diante dos maiores barbarismos e
atrocidades, até mesmo em casos de excessos morais, é possível e bastante
freqüente cogitar de penas pecuniárias.
Porém, segundo o Parágrafo
153, o malfeitor deve sumir para dentro da caçapa.
Se um piqueteiro diz a um
fura-greve :
"- Estimado companheiro, você
pertence ao nosso sindicato. Como pode querer vir trabalhar aqui ?"
E o fura-greve replica, rudemente :
" - O que é que você tem
a ver com isso ?", sendo que o piqueteiro observa,
então, em uma irrupção de ressentimento :
"- Você não tem mesmo vergonha
na cara, não é ?"
Sabem com o que sai lucrando,
então, o piqueteiro ?
Com 14 (quatorze) dias de prisão,
companheiros !
Esse é literalmente um caso que tenho
em meu escritório.
Nossa Justiça Capitalista
situa-se sob o signo da canonização e da mistificação do piqueteiro.
Tendo-se em conta esse culto do
piqueteiro, as pessoas querem freqüentemente subtrair-se a essa execração.
A palavra terrorismo há de surgir
em todas as sentenças, nas quais se trate de procedimentos sobre greves de
qualquer modalidade.
Essa palavra pertence ao patrimônio
de ferro de nossa Justiça.
Quão assiduamente proclamam os Tribunais
que há de se por um fim ao terrorismo dos trabalhadores organizados.
É "dever do Estado"
tutelar os que desejam trabalhar.
Argüi, junto à Câmara de
Apelação do Tribunal, que, caso isso, se tratasse de um dever do
Estado, haveria, então, de estar, porém, em algum lugar, positivado em leis.
Esse não é, entretanto, o caso.
As leis e, em particular, a Constituição,
demonstram, muito mais, a falta de juridicidade de uma tal proteção
particular.
A Câmara de Apelação do
Tribunal declarou, porém, simplesmente, que se trataria, precisamente,
no mínimo, de um dever moral do Estado, o de proteger especialmente o
fura-greve e, com isso, basta.
Agrega-se ainda aos delitos de
suposta coerção e injúria, cometidos contra os fura-greves, pessoas essas
últimas desejosas de trabalhar, o famoso Parágrafo da Extorsão
e sua ainda mais renomada aplicação, a qual prematuramente alcançou o mais
sagaz aguçamento em nossa Justiça de Classe, na medida em
que emprega a razão de Estado, no interesse das classes
economicamente dominantes.
A extorsão é um dos delitos
mais repugnantes que se possa imaginar.
O extorsionário é, na realidade, um
homem vil !
Sobre este recai a pesada
acusação de que explorou o estado de necessidade e a situação de coação de uma
outra pessoa, a fim de obter privilégios materiais.
Tomem, agora, em consideração o caso
em que os trabalhadores, empregados por um certo empresário, não estejam
satisfeitos com o seu salário, ou o caso em que o empresário lhes queira pagar
menos salário do que aquele pago até então.
Os trabalhadores levantam, porém,
sua reivindicação salarial e afirmam :
"Se você não nos pagar o
salário, não podemos continuar trabalhando. Paralisaremos o trabalho."
Companheiros !
Isso configura extorsão, segundo a
invariável jurisprudência dos últimos anos.
O Tribunal do Império
assevera :
" - Se os trabalhadores não
continuarem a trabalhar, não poderá o empresário continuar trabalhando. Este é
obrigado a deixar toda a fábrica paralisada."
Os trabalhadores valem-se,
portanto, do estado de necessidade do empresário, com a finalidade de obter
salários mais elevados, i.e. aferir um privilégio patrimonial ilegal.
Isso que digo está, ponto por
ponto, de acordo com aquilo que o Tribunal do Império consolidou
mediante jurisprudência.
Porém, como transcorre a coisa
toda, em sentido inverso ?
O que acontece se o empregador
afirma :
" - A partir de agora,
vocês receberão 5 centavos a menos de salário por hora e, caso não estejam
satisfeitos com isso, posso demitir-lhes."
Uma vez demitidos, os trabalhadores
são lançados na rua, permanecendo, então, totalmente despojados, lesados
de modo infinitamente mais sério do que o empresário, quando paralisa as
máquinas por algumas semanas.
Sem embargo, companheiros, isso não
configura qualquer extorsão que seja !
Segundo a visão dos tribunais, o
empresário age sempre de boa fé !
Efetuamos tentativas de intervir
contra os empresários, porém tais tentativas fracassaram.
Sim, companheiros, essa é a Justiça
de Classe.
Nesse contexto, posso fornecer-lhes
algumas notícias acerca de meu Proceso de Alta Traição.
Vocês sabem precisamente que
escrevi um livro sobre Militarismo e Anti-Militarismo,
livro este redigido muito prudentemente.
Um livro do qual - tal como
posso, desde logo, assegurar - não subtrairei uma só palavra e acerca do qual
posso, já no dia de hoje, garantir ao futuro juiz do Tribunal do Império
que sua sentença não surtirá, em relação à minha atividade
anti-militarista, aquele êxito que provavelmente constitua o principal
objetivo de sua decisão.
Ordenou-se a apreensão do livro em
tela.
Esse fato não é propriamente ruim,
sendo que isso ocorre até mesmo freqüentemente, sobretudo entre nós.
Não fiquei muito surpreendido com
esse fato.
Logo a seguir, recebi também a
visita de uma autoridade pública.
Disse ao homem que a representava :
" - Bom dia. O Sr. quer, então,
possivelmente, levar-me preso."
Fiquei, porém, inteiramente,
surpreendido sim com o fato de que não quis levar-me consigo.
Companheiros ! Já me encontro
precavido em relação a tudo.
Conheço nossa Justiça
demasiadamente bem para que não houvesse de acautelar-me com todas as coisas.
Afirmam que cometi Alta
Traição.
Nisso se inclui a idéia de que
alguém planejou ou preparou, em um dado momento, não por demais distante, um
determinado ato que tem por objetivo a derrubada violenta de nossa Constituição
ou de uma de suas partes integrantes.
Minha Alta Traição
deve ter almejado eliminar o Exército Regular que constituiria um
fundamento de nossa Constituição.
Querem tornar, portanto, nosso Exército
Regular intocável, sacrossanto, apesar de que seja atacado, não apenas
pelos social-democratas, como sendo uma ignomínia cultural.
Mais ainda : não se acredita
que aspiro à eliminação de nossa forma de organização militar
apenas ulteriormente.
Acerca disso, sou, porém, cauteloso
e racional.
Reconheço inteiramente que lamento
não ser possível ir mais rapidamente.
Os dominadores têm, entretanto,
muito mais medo do que precisam ter, para o atual momento.
Acreditam que, de um momento para o
outro, poderia advir um colapso.
Eis aí uma consciência perversa !
E o que sucede com a violência para
a eliminação do Exército ?
Sobre isso, não mencionei uma
palavra em meu livro.
O que assinalei foi o fato de
que, na população, existem diversas classes cujos interesses se
confrontam, que a classe trabalhadora é a classe mais numerosa, tanto na
população quanto no Exército, e que
essa classe torna-se e tornar-se-á cada vez mais claramente
consciente de seus interesses.
Companheiros !
No momento em que todos os
trabalhadores adquirirem sua consciência de classe, nosso Exército,
em si mesmo, entrará em colapso.
Isso foi o que afirmei.
Não se trata aqui, porém, de
nenhuma violência !
A conscientização da classe
trabalhadora não consiste em nenhum meio de violência.
Porém, os dominadores procuram
pela "violência", enquanto fato gerador da Alta
Traição !
Que fazer ? De onde se tirar e não
roubar ?
Sendo assim, tentam
salvar-se a si mesmos.
Inicialmente, o Supremo
Procurador do Império afirmou que fomentei o plano de instigar a França
a desferir um ataque contra a Alemanha e, em verdade, com o
auxílio da Social-Democracia de ambos esses países.
Nessa oportunidade favorável,
haveria eu, de minha parte, de ter pretendido aniquilar o Exército.
O documento no qual o Supremo
Procurador do Império formula essa ousada afirmação constituirá ainda uma fonte
de prazer hilariante para as futuras gerações.
Evidentemente, o libelo não
podia manter essa posição.
Chamei, com todo o respeito, a
atenção do Juiz do Inquérito para o fato de que todo o meu livro
tratava precisamente acerca das possibilidades e meios de impedir uma
guerra, a ser travada especialmente entre a França e a Alemanha,
bem como obstar todas as atividades de violência, praticadas por esses países,
consideradas em geral.
Agora, descobre-se algo diferente.
Afirmam que devo estar perseguindo
o objetivo de tomar em minhas mãos a produção de armamentos e abastecer os
trabalhadores com armas, formando-os e exercitando-os no uso delas, com vistas
a, com esse Exército Proletário, golpear a parte fiel
remanescente do exército regular, para a sua total desgraça.
Trata-se aqui de uma autêntica
fantasia, retirada a partir da Revolução Russa de 1905.
Não sei dizer por que meios o Exército
Regular tomou conhecimento desse meu plano fúnebre.
Não quero trair o segredo de saber
se acalento esse plano, talvez, em meu coração de conspirador, porém,
em meu livro nada existe, nesse sentido.
Às vezes, ele parece conter
algo que nele não se encontra absolutamente.
Quero permanecer cortês e declarar
minhas felicitações ao Supremo Procurador do Império
por sua imaginação extraordinária.
Presentemente, a sessão de abertura
do senado do Tribunal do Império encontrou, em sua resolução,
ainda um terceiro método para me esmagar.
Três diferentes sendeiros para o
atingimento de um único objetivo, demonstrando-se a todos e cada um que apenas
um objetivo havia sido colocado : "Condenar a qualquer
custo", para, apenas posteriormente, iniciar-se com a procura
de um caminho para o alcance desse objetivo.
O Conselheiro Secreto de
Guerra, Sr. Romen, o velho renomado assassino de
socialistas - que soube também encontrar, de modo magnífico, o caminho
para proteger seu próprio irmão da expiação de uma pena de prisão, cominada em
virtude de injúria -, escreveu, no jornal "Tag (O Dia)",
um artigo contra o Anti-Militarismo e, em particular, contra mim.
No Parlamento do Império,
o Ministro da Guerra, o Sr. Von Einem, levantou-se
contra a minha Propaganda Anti-Militarista.
Imediatamente a seguir, a Procuradoria
do Império interveio contra mim.
Tudo isso se contextualiza não
apenas em sentido temporal.
Celebraram um
acordo, precisamente nos círculos de autoridade, acerca do fato de que a Campanha
Anti-Militarista haveria de ser sustada.
Então, tornou-se ou torna-se
necessário encontra um caminho que possa ser percorrido.
Já haviam erigido duas forças
contra mim.
Por duas vezes, porém, a corda
esgarçou.
Agora, pergunta-se se a terceira
corda irá resistir ?
Não me entrego, porém, a nenhuma
ilusão.
Em caso de necessidade, será
encontrada a quarta corda de estrangulamento.
Sinto-me já inteiramente no papel
do enforcado.
Essa acusação representa,
politicamente, para mim e para o Anti-Militarismo, que
reiteradamente refiro, um verdadeiro presente dos deuses.
Ela pode apenas nos servir
e apenas prejudicar os outros.
Agora, passo à formulação de
algumas observações de caráter geral.
A Justiça de Classe
exprime-se em quatro (4) sentidos :
1)
Preambularmente, expressa-se na
própria condução do processo judicial.
Todos os dias, presenciamos a
circunstância de que acusados dos "melhores estamentos", ao
surgirem diante do Tribunal, com um bom traje, são tratados, já
na audiência, de modo inteiramente distinto daquele com o qual se
trata os pobres diabos, trabalhadores ou "canalhas" da
Social-Democracia.
Isso é Justiça de Classe
!
2)
A seguir, então, ela se
manifesta na contemplação unilateral do material do
processo judicial e na apreciação parcial da situação fática.
Essa é, talvez, a parte mais
importante da Justiça de Classe !
Obviamente, existem muitíssimas
exceções entre os juízes.
Isso não ignoro.
Conheço, especialmente em Berlim,
também algumas forças muito competentes em que se pode depositar a mais plena
confiança.
Porém, onde seriamente entra
em jogo, a Justiça de Classe jamais fracassou.
Não defendo a concepção de que os
juízes pervertem, por exemplo, o Direito, consciente e maldosamente.
Certamente, juízes desse último
gênero também existem.
Desses, entretanto, não nos
ocupamos.
Pois, não é a existência da exceção
de indivíduos criminosos, senão a regra, i.e. o caráter de classe dos
juízes, o que adquire, socialmente, importância.
Os juízes agem, em geral, com a
melhor das consciências, porém no marco das melhores das consciências não
logram nada fazer senão Justiça de Classe !
Não são capazes de conceber a
situação fática corretamente.
Compreendem tudo, de
modo diverso.
Aos seus olhos, tudo adquire um
significado distinto.
O orador comprova essa afirmação
com uma série de exemplos da prática social efetiva dos processos
judiciários.
Os juízes não possuem sensibilidade
para com um acusado proletário, precisamente porque vivem, pensam e
sentem, em um outra dimensão.
O que não presenciamos em nossos
processos sobre questões de imprensa !
Que absurdo de interpretações !
O orador recorda o Processo da
Ilha do Imperador.
É característico o modo segundo o
qual se procedeu, outrora, visando a deduzir, das notícias do "Vorwärts
(Avante!)" uma injúria à Sua Majestade, o Imperador.
Pensem, a seguir, no "Processo
das Manchetes", movido contra o "Leipziger Volkszeitung (Diário
Popular de Leipzig)", em razão de dois artigos intitulados : "Böhme
e Liman" e "Die Leipziger Justiz auf der
Anklagebank" (A Justiça de Leipzig no Banco de Réus)", consistiu
meramente em um informe acerca do curso de um processo judicial.
Nesse último caso, a manchete
haveria, em verdade, de anunciar : "a Justiça trunca, de
maneira pior do que o acusado o faz, razão porque os papéis estão, em
certa medida, trocados."
Exigi a leitura, em voz alta, do
artigo em questão, para demonstrar esse fato.
Porém, o Tribunal de Leipzig
rejeitou, sumariamente, meu pedido.
Apenas a "manchete"
foi lida e, por causa desse título suspenso no ar ("Die Leipziger
Justiz auf der Anklagebank" (A Justiça de Leipzig no Banco de
Réus)"), nosso companheiro de Partido, Herre, teve
de mofar durante dois meses na cadeia.
Nada obstante, é assim que se
interpreta, quando se é inimigo político.
Um proletário jamais teria
senteciado dessa forma.
Isso é Justiça de Classe
!
3)
Entretanto, a Justiça de
Classe externa-se também na interpretação das leis.
Também essa última atividade é
fortemente influenciada pelo ponto de vista de classe dos juízes.
A jurisprudência dos Parágrafos
de Extorsão que, além disso, é extremamente distinta para empregadores
e empregados, fornece-nos o mais inequívoco exemplo.
Isso é Justiça de Classe
!
4)
A Justiça de Classe
manifesta-se, igualmente, no descomunal rigor das penas contra os
odiados política e socialmente e, sobretudo, contra os social-democratas.
Já me referi ao Processo de
Köslin.
Naquela ocasião, no quadro da greve
dos pedreiros de Kolberg, um trabalhador, já porém penalmente
reincidente, respondeu a um policial que conclamava os grevistas a
irem para casa :
"Por que deveríamos nós ir
para casa.
De igual maneira, os fura-greves
também poderiam dirigir-se para as suas casas."
Isso custou ao homem três anos de
penitenciária.
Há dois anos, em
uma cidadezinha da Turíngea, chamada Hildburghausen,
em que se situa uma faculdade de tecnologia na qual, evidentemente, estudam os
que pertencem aos "melhores estamentos", ocorreu
uma "Revolta dos Estudantes", visto que um estudante de
tecnologia - alías por boas razões - foi preso por um policial.
Os estudantes de tecnologia
reuniram-se nas ruas, agrediram as autoridades policiais, empreenderam um
ataque contra a delegacia de polícia, golpearam vidraças.
Bombeiros e policiais militares
precisaram ser acionados, sendo que, apenas depois de muito esforço,
conseguiu-se limpar o local.
Diversos estudantes de tecnologia
foram acusados.
Um deles defendi, então, na cidade
de Meiningen.
Eles todos, considerados em seu
conjunto, foram castigados com penas pecuniárias de aproximadamente apenas 100
marcos alemães, por cabeça.
Com isso, não afirmo que a Sentença
de Meiningen tenha sido equivocada.
Foi correta.
Erradas, inteiramente duras e
parciais, são apenas as sentenças de perturbação da tranqüilidade pública,
proferidas contra os trabalhadores organizados.
Em Köslin, a hidra da
greve encontrou-se por detrás dos acusados.
Os juízes foram parciais.
Isso é Justiça de Classe
!
A Justiça de Classe é
implementada contra o proletariado odiado não apenas através da
interpretação de leis especiais : ela se apresenta não somente
no extraordinário rigor em relação aos trabalhadores, senão
também na grandiosa clemência e na compreensão benevolente, concedidas
aos pertencentes das classes dominantes, se estes se tornam, por alguma
vez, objeto de apreciação do Poder Judiciário.
Citei provas disso.
O julgamento indulgente dos
excessos das autoridades policiais e dos empresários que se chocam contra as
leis sócio-políticas, apresenta-se aqui de modo particularmente característico.
A Justiça de Classe
reina por todos os lados no Estado de Classe.
Dirijamo-nos para o assim-chamado "país
mais livre do mundo", para os Estados Unidos da América.
É surpreendete o que
assistimos no Processo Haywood ![8]
Um dirigente dos trabalhadores é
pura e simplesmente acusado de assassinato, com o objetivo de neutralizá-lo,
tornando-o inofensivo.
Uma testemunha que pertence à
escória da humanidade é arranjada, apenas para conduzir à guilhotina um inimigo
político, um dirigente da classe trabalhadora.
Justiça de Classe também nos Estados Unidos da América !
Ela é omnipresente, precisamente
porque é Justiça de Classe, porque é a Justiça do ubíquo Estado
de Classe.
Também a nossa luta, que,
hoje, impulsionamos contra a Justiça de Classe, não será
eliminada pela Justiça de Classe.
Esta outoga àquela, porém, pequenas
concessões, em última instância, por temor e horror da classe trabalhadora e a
fim de que o povo trabalhador não se torne por demais selvagem e tempestuoso.
De toda sorte, o mais importante
para nós permanece sendo a conscientização das massas e essa
conscientização, devemos fomentá-la com energia.
Devemos conscientizar o povo acerca
do fato de que o Estado contemporâneo é um Estado de Classe
e que, por consegüinte, a Justiça contemporânea, que se encontra nas mãos dos
inimigos do proletariado, é Justiça de Classe.
Havemos de conscientizar o povo de
que condições de liberdade podem ser apenas atingidas se todos os trabalhadores
permanecerem unanimemente juntos e, com todas as forças, trabalharem por uma
transformação de nossa sociedade de classes em uma sociedade socialista.
Nossa companheira, que se apressou
a vir da Índia, esse maravilhoso país, ao nosso Congresso Internacional,
declarou, ontem, em sua maneira simples e descomplicada :
"O que é o socialismo, senão a
própria Justiça " ?
Companheiros e companheiras do
Partido !
Essa é uma profunda verdade !
A Justiça é apenas possível
através da eliminação do Estado de Classe pela Social-Democracia.
Assim, concluo solicitando a vocês
que mantenham sempre em conta o fato de que não podemos esperar nossa salvação
da voluntária magnanimidade dos dominadores ou da amável adaptação dos Governos
do Estado de Classe.
A consolidação do Poder
Proletário : essa é a nossa salvação !
O meio mais importante para isso é,
aqui novamente : ganhar os trabalhadores para que ingressem nas nossas
organizações, para que ingressem no nosso Partido !
Sobretudo nessas sedes, devem
ser formados e amadurecidos para travarem a luta tempestuosa de libertação
do proletariado e de toda a humanidade em face dos grilhões, impostos pelo
capitalismo e pelo Estado de Classe.
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS
[1] Cf. LIEBKNECHT,
KARL. Rechtsstaat und Klassenjustiz. Bericht über einen Vortrag in
einer Massenversammlung in Stuttgart (Estado de Direito e Justiça de Classe.
Relatório de uma Palestra Realizada em uma Assembléia de Massas em Stuttgart)
(23 de Agosto de 1907), in : Karl Liebknecht. Gesammelte Reden und
Schriften (Karl Liebknecht. Discursos e Escritos Completos), Vol. 2 :
De Fevereiro de 1907 a Fevereiro de 1910, Berlim : Dietz, 1960, pp.
17 e s.
[2] Indicação de Emil Asturig von
München : Nessa passagem, Karl Liebknecht refere-se
à extradição de Harry Quelch, executada, em 22 de agosto de 1907,
pelo Governo do Estado de Württemberg, situado no sul da Alemanha. Quelch,
importante personalidade política da época, foi representante da Federação
Social-Democrática da Inglaterra junto ao Congresso Socialista
Internacional, realizado entre 18 e 24 de agosto de 1907, em
Stuttgart. O motivo jurídico de sua extradição está relacionado com o fato de Quelch,
no terceiro dia do mencionado congresso, haver designado a II
Conferência da Paz de Haia com a seguinte expressão muito corrente
entre os socialistas britânicos de então : "a thief's supper",
i.e. "uma ceia de ladrões".
[3] Indicação de Emil Asturig von München : Observe-se que,
na literatura jurídico-política alemã, designa-se como "Portaria do
Segmento" a lendária medida estabelecida pelo Ministro do Interior
da Prússia, Hammerstein-Loxten, de 1902, que permitiu a
permanência de mulheres em assembléias políticas desde que acomodadas essas
últimas em uma parte especial da sala, i.e. no "Segmento das
Mulheres".
[4] Indicação de Emil Asturig von
München : Importa destacar, de passagem, que, em 28 de fevereiro
de 1906, a Associação dos Aprendizes e Trabalhadores Jovens de Könisberg
foi proibida, em razão de pretensamente fomentar a atividade política e
tendências social-democráticas. Foram instaurados diversos processos em
que membros dessa associação foram condenados ao pagamento de multas
pecuniárias e de privação de liberdade. O presidente da associação em tela foi
apenado, p.ex. com 4 meses e 15 dias de prisão.
[5] Indicação de Emil Asturig von
München : Observe-se, por oportuno, que a LexArons
estabeleceu, a partir de 1898, a submissão dos professores de universidade
livres docentes, não remunerados e, até então, não atuantes como funcionários
públicos, ao poder disciplinar do Estado Prussiano. Essa alteração legislativa
dirigiu-se particularmente contra a Social-Democracia e foi, pela primeira vez,
utilizada contra o livre docente social-democrático de Física, de nome Arons.
Arons foi expulso da Universidade de Berlim, em 20 de
janeiro de 1900, por causa de sua filiação à Social-Democracia.
[6] Indicação de Emil Asturig von
München : Cumpre assinalar que a Sentença de Löbtauer -
esse último nome designador de uma localidade situada em Dresden -
foi proferida em fevereiro de 1899. Por meio da sentença em realce, 9
trabalhadores mineiros foram condenados ao cumprimento de uma pena de
penitenciária e de prisão que, em seu total, somava 61 anos, simplesmente
porque protestaram contra o fato de que, em uma mina vizinha, trabalhava-se
muito além da jornada de trabalho convencionada. No presente caso, foram também
registradas agressões, depois de ter o proprietário da mina realizado disparos
aleatórios com um revólver de percussão. Quanto à Sentença de Köslin, coteje-se
as próprias considerações formuladas por Karl Liebknecht, nas
páginas a seguir.
[7] Indicação de Emil Asturig von
München : Quanto à disciplina do Ordenamento sobre a
Indústria da Alemanha, assinalo que os seus parágrafos 152 e 153
prescreviam, à época, expressamente o seguinte : "Parágrafo 152. Ficam
suprimidas todas as proibições e prescrições penais contra agentes de
indústria, auxiliares industriais, companheiros de corporação de ofício ou
trabalhadores de fábrica em razão de acordos e associações, destinadas à
obtenção de condições de trabalho e salário, em particular por meio de
suspensão do trabalho ou demissão de trabalhadores. Para todo e qualquer
membro fica sendo livre o afastamento de tais acordos e associações. Do
retro-exposto não se processará ação ou exceção." E a
seguir : "Parágrafo 153. Quem forçar ou procurar forçar outra pessoa,
mediante emprego de coação física, ameaças, lesões de honra e declarações de
descrédito, a participar de tais acordos (§152) ou seguí-los, bem
como impedir ou procurar impedir outra pessoa mediante meios análogos,
será condenado com pena de prisão de até três meses, desde que não se
preveja penalidades mais rigorosas pelas Leis Penais em geral."
[8] Indicação de Emil Asturig von München
: Cumpre destacar que Liebknecht refere-se aqui ao processo
judicial movido contra W. D. Haywood, influente dirigente da Associação
dos Mineiros do Oeste dos EUA, co-fundador, em 1905, da
organização operária, denominada Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW),
membro do Partido Socialista dos EUA e co-fundador, em 1920, do Partido
Comunista dos EUA. Em 1906, no Estado do Colorado, W. D.
Haywood foi lançado ao cárcere, juntamente com C. H. Moyer
e G. Pettibone, de maneira plenamente ilegal, vindo a ser
indiciado por assassinato do ex-governador do Estado de Idaho, Steunenberg,
com provas colhidas junto a testemunhas compradas. Esse processo foi encerrado,
a seguir, em 1907, com sentença de absolvição dos acusados.